Acompanhe a série de entrevistas e ensaios fotográficos realizados por João Cotta. Fotógrafo nascido e criado nas vilas hípicas do Hipódromo da Gávea, Cotta idealizou esse registro que une sua própria paixão pelo turfe com a de profissionais que dedicam sua vida ao nosso esporte.
“Sou filho de Adriano e Maria Aparecida. Nasci no Recife, em 21/12/1998. Passei minha infância tendo como vizinho o Hipódromo em Recife e meu pai sempre que podia me levava para assistir as corridas. Quando criança, até pensei em ser goleiro. Nas peladas com os amigos do Colégio Paulo Freire, eu gostava de jogar no gol. Minha vida começou a mudar, quando um dia, um amigo meu me chamou para ir ver os treinos dos pôneis no Jockey Club… matei aula e, daquele dia em diante, decidi que seria jóquei.”
A fala acima é de Leandro Henrique, jóquei profissional radicado no Hipódromo da Gávea e um dos destaques do concorrido turfe carioca. Aqui, Leandro, nos contará um pouco sobre si. – Com 9 anos eu comecei a montar os pôneis, com 13 fui montar cavalos e aos 14 eu já disputava alguns páreos em Recife. Eu estava sempre assistindo as corridas do Hipódromo da Gávea, no Rio de Janeiro, e as corridas do Hipódromo de Cidade Jardim, em São Paulo pela televisão e sonhava um dia conhecer esses hipódromos e, quem sabe, competir em um deles.Em 2014, tive a oportunidade de vir ao Jockey aqui na Gávea para assistir o GP Brasil. Presenciei a vitória de Bal A Bali e pude ver de perto um jóquei em quem eu me espelhava e hoje se tornou um grande amigo, um irmão, que é o Vagner Borges. Voltei para Recife, mas com a certeza de que ali era o meu lugar.No ano seguinte, já com 16 anos, no primeiro dia do ano de 2015, eu chegava ao Rio de Janeiro. Vim sozinho em busca de um sonho de menino. Foi difícil deixar minha família toda para trás, assim como foi difícil para eles me verem ir embora, mas meus pais entendiam que aquilo era o que eu queria e, que se quisessem me ver conquistar o que eu almejava, aquele era o melhor caminho a ser seguido. Foram dois meses morando na cocheira do treinador Léo Reis e indo aos matinais só para acompanhar o vai e vem dos cavalos na raia até o dia que fiz a entrevista na escolinha com o Marcello Cardoso e a Mayra Frederico, que fazia parte da direção do JCB na época. Leandro diz que, apesar de sentir muita saudade de casa e sem conhecer quase nada e ninguém, esse foi um período muito importante em sua vida pessoal e um grande passo para o início da sua jornada profissional. Assim como milhares de jovens que saem de casa cedo em busca dos seus sonhos, ele tinha a consciência de que teria de ser forte o suficiente para aguentar os desafios de morar longe dos seus pais, numa cidade ainda desconhecida, se quisesse ter sucesso em sua carreira. – Apesar de ter chegado na escolinha com uma noção de como montar, entrei como aluno e fiquei no picadeiro por uma semana, até que um dia o Marcello me chamou e mandou eu pegar minha manta que eu iria galopar um cavalo na raia. Lembro da minha euforia de estar galopando pela primeira vez na raia da Gávea. Ali, era o primeiro passo de tudo o que estaria por vir. Foram quatro meses na escolinha até eu ser liberado para estrear como aprendiz.
Já liberado para montar, ainda tímido, Leandro teve ajuda de Léo Reis para arrumar montarias para ele e depois contou com a ajuda do agente de montarias Rodrigo Lopes por três semanas, até encontrar em Danilo Aglio uma parceria que já dura 6 anos e vem colhendo bons frutos desde então. Ainda aprendiz, Leandro conquistou a estatística de pilotos que atuam na Gávea. Fato inédito até hoje. – Eu nunca tinha imaginado isso. Para ser sincero, eu saí de Recife pensando em vir ao Rio, me tornar jóquei e ganhar algumas corridas. Se não desse certo, se as coisas ficassem complicadas, voltaria para Recife e ficaria montando por lá. Ali foi quando a ficha começou a cair e eu passei a enxergar que eu poderia ir mais longe. Eu sempre tive a consciência de que teria que seguir trabalhando firme, ter humildade e acreditar em mim. Eu chegava na repesagem após um páreo e às vezes escutava os treinadores comentando: “Aquele menino monta como se já fosse jóquei!”. Eu escutava quietinho, mas pensava comigo mesmo: “Não é que tá dando certo?!” (risos). Leandro lembra também, que assim que passou a jóquei, misturado com o receio daquele sucesso como aprendiz despencar, já que montaria de igual para igual com outros pilotos já consagrados, ele recebeu um convite que custou a acreditar que era real. – A Mayra um dia chegou para mim e me disse que eu estava sendo convidado para ser o jóquei representante do Brasil para ir montar em Hong Kong num festival. Foi incrível, o turfe de lá é coisa de primeiro mundo. Tudo diferente, era tudo novo para mim. Foi espetacular. Eu estou estudando inglês e buscando me aperfeiçoar na profissão, adquirir mais experiência, para poder voltar lá em Hong Kong e passar umas temporadas, quem sabe até me radicar por lá. É um sonho que eu tenho em ir montar fora do Brasil. Na época eu era muito novo e o pessoal de lá me deixou bem a vontade e disseram que as portas estariam abertas. Pergunto a ele sobre sua primeira vitória de Grupo I, de cara Leandro me interrompe e diz: – Naquele dia, liguei para os meus familiares e disse para assistirem ao corridas porque eu iria ganhar o Derby.
Lembro a ele, que o animal que ele montava, Emperor Roderic, treinado por Ronaldo M. Lima e de propriedade da família Anderson, com quem Leandro tem contrato, não chegava a ser uma das forças do páreo… – Mesmo sem ser força, a gente acreditava muito no cavalo. Ele estava tinindo e eu estava muito confiante. Na hora que cruzou o disco foi uma felicidade que eu não sei te explicar. Passou um filme na cabeça, fui lá atrás, ainda em Recife e voltei. Eu não sabia nem o que fazer em cima do cavalo, não sabia se gritava, se ria, se sacudia os braços. A emoção e a felicidade são gigantes. E a minha primeira vitória de G1 foi logo num Derby!!Sobre montar em páreos importantes, como os GPs, Leandro é categórico ao afirmar que não fica mais nervoso, mesmo sabendo da responsabilidade que tem. Diz que sempre traça um plano com a equipe do animal que está montando, mas que depois que a largada é dada, entende que é ele e o cavalo, e que às vezes, toda a estratégia definida pode ir por água abaixo e que tem frações de segundo para definir o que fazer em cada situação e pôr em prática o que pensou. Frio, calculista e acumulando quilometragem na carreira, a resposta é digna de quem quer vencer e não entra na raia por acaso. – Os páreos mais importantes são definidos 15 dias antes, com a divulgação de quem pagou o ADDED… a partir dali, eu estudo a carreira toda. Analiso cada cavalo, analiso os pilotos que irão montar, vejo filmes, estudo os páreos anteriores dos cavalos que irão competir, vejo as condições da raia no dia… isso tudo eu levo em conta e ai quando entro na raia, procuro ficar tranquilo e ter a frieza e a inteligência necessária para definir meu percurso. Bastante requisitado e querido por treinadores e proprietários, Leandro é um jóquei novo, vencedor e tem a destreza dos verdadeiros campeões. Uma de suas características mais marcantes é o vigor que esbanja em cima de suas montarias, o que lhe rendeu o inusitado apelido de “Braço de Mola”.
– Foi durante um páreo, onde eu “briguei” a reta toda num mano a mano daqueles que empolgam o público e o Thiagão (Thiago Guedes, locutor do JCB) durante a narração me chamou de Braço de Mola. O apelido pegou. E eu vou mesmo até o fim quando sinto que ainda posso ganhar alguma posição (risos). Durante nossa conversa, não pude deixar de abordar a sadia rivalidade entre ele e o piloto B. Queiroz. Os dois vem protagonizando duelos eletrizantes, seja em retas disputadas cabeça a cabeça ou pelo topo da estatística. Leandro com toda a sinceridade do mundo, não hesitou em falar sobre Bruno. – A lenha na fogueira fica por conta das torcidas. Dentro da pista a gente sempre quer ganhar, mas é importante manter o respeito e a lealdade. Bruno, além de meu cunhado, é um amigo. A gente quando viaja para montar em outros Estados, a gente sai junto para jantar, a gente sempre se fala. Lá dentro, quando percebo que o meu cavalo não tem mais ação e o dele tem, não deixo de abrir uma passagem para ele e vice-versa. Mas quando os dois estão emparelhados, sai faísca. Recentemente tivemos uma disputa a reta inteira e ele venceu o páreo. Nos demos as mãos e eu brinquei com ele, disse que iria às forras. Logo na semana seguinte, outra reta entre nós dois, e eu saí com a vitória. Olhei para ele e falei: “Eu te avisei!”. Tem esse clima de disputa, mas é de amizade também. O Bruno é um bom menino, bom jóquei e está construindo uma bonita carreira. Num hipódromo concorrido como o da Gávea e palco de grandes pilotos, Leandro também destaca outros dois jóqueis. – Me espelho muito no Jorge Ricardo e no Vagner Borges. Ricardinho é incansável, o homem não para. Já ganhou tudo, já venceu um câncer, podia ter parado de montar, mas ama o que faz. Trabalha aqui na Gávea, trabalha nos CT´s, viaja para montar em SP, dia seguinte monta aqui no Rio, ele não para. É diferenciado e merece tudo o que conquistou. Borges se tornou um irmão e é um cara que eu admiro muito o jeito dele montar. O primeiro GP Brasil que eu assisti de perto foi o que ele venceu com o Bal A Bali.Para encerrar, pergunto sobre o Leandro fora das pistas, sonhos, desejos. Embora vitorioso, ainda tem muita carreira pela frente. – Eu costumo ir ao cinema, gosto de sair para fazer compras, me distrair. Aqui no Rio tenho minha irmã e o meu primo, o W. Xavier que também é jóquei. A gente gosta de estar sempre juntos, jogar uma conversa fora, estar com amigos.
Sei das minhas responsabilidades como irmão mais velho e procuro também sempre ajudar minha família lá em Recife. Graças a Deus, hoje posso ajudá-los de alguma forma e sei que tenho que retribuir tudo o que fizeram por mim. Eu tenho o sonho de voltar a Hong Kong, sei que posso melhorar muito de vida me estabilizando lá e desejo ter minha casa própria, para poder dar um pouco mais de conforto para meus familiares. Entrevista e ensaio fotográfico: João Cotta (Instagram: @joaocotta_photos)